sábado, 1 de junho de 2013

Prefiro o Outono


Acho-o mais bonito, mais sábio, mais tranqüilo.
A primavera é linda, cheia de cores, cios e odores. Mas não me comove. Não encontro nela lugar para a saudade. Por isso lhe falta aquela gota de tristeza, que mora em toda obra de arte. É que ela existe na paradisíaca inconsciência do fim...
O verão é diferente. Excita meu lado de fora, e me transforma em sol, céu e mar. Misturo-me com seu universo luminoso, quente e suarento, cheio de cachoeiras e limonadas geladas. Tudo me convida a não pensar, a só rir, gozar, usufruir. Como diz Fernando Pessoa, pensamento é doença dos olhos. Ao que eu acrescentaria: do corpo inteiro. A gente pensa quando o dente dói, quando o sapato aperta, quando a azia queima, quando o coração tropeça. O corpo saudável é transparente. Sai de sí e fica todo no mar, no céu, no sol. É a doença que o torna opaco. O verão faz este milagre comigo: esvazia-se de mim e eu me perco (eroticamente) nos seus braços...
Mas o outono me chama de volta. Devolve-me à minha verdade. Sinto então a dor bonita da nostalgia, pedaço de mim que não posso me esquecer.
Primeiro é aquele friozinho pelas manhãs e pelas tardes. O verão já se foi. Fica, dentro, o sentimento de que tudo é despedida. O Outono tem memória. Coisa de que se precisa para ter saudade, e saudade como nos ensinou Riobaldo, é uma espécie de velhice.
Depois são as cores. O céu, azul profundo, as árvores e grama de um outro verde, misturado com o dourado dos raios de sol inclinados. Tudo fica mais pungente ao cair da tarde, pelo frio, pelo crepúsculo, o que revela o parentesco entre o Outono e o entardecer. O Outono é o ano que entardece.
E as tarde, como se sabe, são aquele tempo do dia quando tristeza e beleza se misturam. E o mundo de dentro reverbera com o mundo de fora. É este poente precoce e azulando-se o sol entre farrapos finos de nuvens, enquanto a lua é já vista, mística do outro lado. Quando tudo se aquieta, e o tempo diz suas passagem nas cores que se sucedem, o rosa, o vermelho, o marrom, o roxo, o negro... Sabe-se então que o fim chegou. Pôr do sol é matáfora poética, e se o sentimos assim é porque sua beleza triste mora em nosso próprio corpo. Somos seres crepusculares. É por isso que esta é a hora do terror noturno, quando as pessoas, lembrando-se do seu parentesco com as aves, voltam ansiosas para casa, e acendem as luzes que não se apagam.
Gosto de ver balões que sobem, sei que são proibidos. Mas são belos. Não ficariam bonitos nem de manhã nem ao meio-dia. São entes do crepúsculos. É preciso que a luz já esteja indo para que sua beleza (e risos) apareçam, ao entardecer. Cada balão não será isto? Um grande riso ao cair da noite...
Há prazeres da Primavera.
Há prazeres do Verão.
Mas há uma alegria que só surge no Outono.
Quem, espantado pelo terror noturno, se refugia em casa, não pode ver nem a beleza do crepúscolo e nem os risos dos balões. Estes são prazeres que se dão somente àqueles que suportam o frio e as cores que mergulham no escuro.
O que me faz lembrar daquela delicosa estória Zen:

"Um homem ia pela floresta quando ouviu um rugido terrível. Era um leão. Ele teve muito medo e se pôs a correr. Mas a floresta era densa e o sol ja estava se pondo. Não viu por onde ia e caiu num precipício. No desespero agarrou-se a um galho que se projetava sobre o abismo e lá ficou. Foi quando, olhando para a parede do do precipício, viu uma pequena planta que ali crescia. Era uma pé de morangos. Nela havia um morango vermelho. Estendeu seu braço e o colheu. E comeu." Aqui termina a estória.

Há morangos que só se comem sobre o abismo.
Balões que só sobem ao crepúsculo.
E beleza que só existem no Outono.
É preciso beber a taça, até o fim.
Texto de Rubem Alves. 
Tempus Fúgit

Ao ler esse texto percebo o quanto adiei meu inevitável Outono. Talvez por estar na terra do sol, mas aquilo que é seu um dia lhe acontece. Melhor não ficar adiando. Prefiro o Outono



Kz.
Fort, 01.06.13

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