terça-feira, 9 de outubro de 2012

Uma vida sem propósito


O Gondim tem o dom de levar as pessoas a pensarem, quando leio alguns dos seus textos, fico com coceiras no cérebro. Dou muito valor a isso. Uma vida sem propósito na verdade só veio alimentar algumas reflexões existenciais que tenho feito. Você não precisa concordar, eu mesma discordo em partes, mas te convido a refletir sobre as afirmações e pensar com carinho sobre as sugestões que se propõem ir além de 10 passos para uma vida próspera em 40 dias como muitas das nossas receitinhas importadas...
Uma vida sem propósito
Ricardo Gondim
Não existe engrenagem para a vida. A lógica de causa e efeito cabe na física mecânica, mas a existência se aproxima mais da quântica – imprevisível, temperamental.
Todas as pessoas chegaram ao presente que não escolheram. Todos seguiram trilhas diferentes das que imaginaram. Picada alguma foi previamente aberta na mata selvagem das histórias individuais. Cada um cria o próprio caminho. E todos violam em algum ponto os trilhos do destino. Lidam incessantemente com o imponderável. Sándor Márai afirmou: “A estrada que vem do mundo até nós é longa e complicada, cheia desses desvios sofridos cujos sentidos, significados, identificamos somente depois de muito tempo”.
Pessoas são imperfeitas, frágeis, incipientes. O próximo passo permanece encoberto pela neblina da realidade indistinta. Ninguém detém a capacidade de resolver qualquer enigma, de mapear qualquer labirinto, de decifrar qualquer mistério. A morte chega  antes de completar a tarefa de entender toda a verdade. Não existe uma biblioteca capaz de elucidar a curiosidade humana. Somos mortais com sede de eternidade; finitos, intuindo o infinito.
Trilhas retas e círculos perfeitos são abstrações – e o absoluto, um essencialismo. Não há rumo certo. Nascemos obrigados a conviver com deformidades – essa é nossa sorte. Simetrias inexistem. Desordem nos acompanha, já que contingência é indispensável à vida. Mínimos elementos influenciam o dia a dia de cada pessoa. Não há prognóstico infalível. A sina humana se assemelha à fumaça; ninguém conseguiria predizer o desenho que o vapor de uma chaminé fará no dia seguinte. Não existe teoria para o inexaurível ou previsão para o imprevisível.
Dar propósito à vida é delírio – muitas vezes religioso. Oprime viver sob o imperativo de encadear eventos. Quem prova ter absoluto (como detesto esse absoluto) controle sobre os acontecimentos? Mentem os que pretendem dominar as etapas para uma vida bem sucedida. Como a existência foge aos controles, precisam inventar competência. Daí a mentira que leva a encenar sucesso. Quem pode ensinar o trajeto que nos levará ao porvir esplêndido? Mesmo com todo esforço não há como disfarçar as noites insones, a vontade súbita de chorar, o desejo de fugir para os confins do universo. Altivez empurra para a farsa.
O que fazer então?
Amar o instante;
sorver a eternidade que se esconde no hiato entre futuro e passado;
guardar frases;
rir;
angustiar-se;
decidir sem paranóias;
fotografar;
prantear;
fugir;
compor música;
ler;
cantar;
degustar;
enfrentar;
sofrer;
falar sobre Deus;
ferir-se;
esperar.
Vive quem abre mão de um propósito futuro. No agora, no já, parece residir o segredo – a experiência de viver se dá no instante impreciso.
E isso basta.
Soli Deo Gloria

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